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novembro 11, 2012

Crítica: 'A Separação' contextualiza o Irã com história de divórcio

Filme tem roteiro bem construído e boas atuações


O Oriente Médio sempre foi palco de muitas histórias boas, porém trágicas, no cinema Hollywoodiano. Algumas obras mais recentes são ligadas à Guerra ao Iraque e, depois de várias produções, o cenário propiciou o ápice de qualidade quando Guerra ao Terror (2009) levou o Oscar de Melhor Filme em 2010. Passado um tempo, histórias desse tipo se esgotaram, dando margem a novas visões e produções oriundas de países da região o sucesso internacional. Neste ano, o filme iraniano A Separação (Jodaeiye Nader az Simin, 2011), de Ashgar Farhadi, venceu o Oscar como Melhor Filme estrangeiro - deixando de lado a crise política entre os Estados Unidos e o Irã, provando a força do cinema como forma de arte e sem barreiras.

Mais importante que qualquer Oscar (também foi indicado como melhor roteiro original), A Separação é um retrato imparcial da tumultuada região. Mas, ao ver o longa, o Ocidente desacostumado leva um susto. Não tem bombas e nem homens suicidas. E sim uma vida não muito diferente do que se vê além de fronteiras e oceanos. A história gira em torno do divórcio entre Nader (Peyman Moaadi) e Simin (Leila Hatami), um jovem casal de classe média, que gera uma série de consequências para o lado do marido. Simin que se mostra uma mulher firme e moderna (ela é professora e seus cabelos tingidos de ruivo dão essa conotação, assim como atitudes - sua vontade de partir do país), decidiu terminar a relação. Nader, por sua vez, ainda demonstrando um resquício de orgulho machista, não se opõe, porém, ele agora é obrigado a procurar alguém para cuidar de seu pai que sofre de Alzheimer.

Entra em cena Razieh (Sareh Bayat) uma mulher de classe inferior economicamente e que aceita ser a cuidadora do idoso, apesar de precisar levar sua pequena filha para o complicado trabalho. Para piorar a situação, ela está grávida e seu marido não deu o consentimento dela trabalhar - o fundamentalismo ainda é mais forte entre os mais pobres. Depois de uma briga entre Nader e Razieh,  todos esses personagens se conectam de alguma forma e os problemas de comunicação vão se transformando em um jogo, da qual, moral e religião tecem uma teia ainda mais complexa. O sistema judiciário entra em cena como mediador e punidor da briga, revelando a situação do poder judicial e político além do fundamentalismo religioso.

O roteiro é primoroso. Além de prender a atenção mesmo num simples filme de cotidiano familiar, ele prega surpresas escondendo informações e pistas de fatos verdadeiros. Para solucionar e decifrar o que aconteceu, entra em cena a filha do casal principal, Termeh (Sarina Farhadi). Inteligente e observadora, a jovem questiona o ato dos pais, os desafia e no meio da guerra que se é posta com o divórcio, vai tentando entender o que fazer se baseando no caso da briga entre o pai e Razieh. Quando se chega ao final de forma entre aberta - o roteiro esconde a decisão da filha sobre quem ela vai morar - fica bem claro qual é o foco da trama, mesmo com os devaneios políticos e religiosos: o abismo particular de um casal, a transição de uma nação. E o poder de decisão da filha é o reflexo de um futuro ainda na sombra da incógnita, que cabe ela acender a luz.

A Separação é um longa que possui diversas vertentes, retratando o atual conceito das leis do Irã e sua conotação mais liberal, mesmo cheio de percalços, além do fundamentalismo religioso. Ainda tem espaço para um debate de desigualdade social, o tratamento com as mulheres e o lado dúbio da religião. Se trata de uma história simples, mas muito bem articulada e atuada, que decifra e mostra um país pacífico, modernizado e com problemas tão comuns como do Ocidente. Uma cultura burocrática por um lado, mas que tem como os indivíduos comuns principais personagens de toda a tensão, e não guerras e ditaduras. Uma produção que mostra um lado diferente do Oriente Médio que quebra preconceitos e tem grande importância em meio ao espetáculo de Hollywood e sua necessidade de bater na mesma tecla sempre e, que agora, a própria se viu na necessidade de reverter essa onda de produções estereotipadas. Em A Separação, a guerra é muito mais emocional pelo duelo de classes e de um banal divórcio em contraste com seu lado político em mudança - e isso, é excepcional.

Trailer: