Páginas

abril 28, 2013

Crítica: 'Anna Karenina' se apoia em visual belo para encantar

Nova parceria do diretor Joe Wright e Keira Knightley inspira, mas não emociona


O diretor Joe Wright tem no seu currículo produções épicas elogiadas como uma versão do clássico Orgulho e Preconceito (2005), sua obra prima Desejo e Reparação (2007) e outros que são experiências diferentes do seu terreno seguro: o mediano O Solista (2009) e o diferente Hanna (2011). A adaptação do clássico romance russo de Liev Tolstói, Anna Karenina (2012), marca o retorno não só do diretor ao estilo que o consagrou, mas também sua parceria com a linda atriz Keira Knightley. Mesmo instável, esse novo longa é uma marco importante para o diretor no aspecto técnico - um dos trunfos de suas obras épicas - porém, não consegue emocionar como nas obras antecessoras.

A remontagem do clássico conta uma trágica história extra-conjugal no século XIX focado em Anna Karenina (Knightley) casada com Alexei Karenin (Jude Law), um rico funcionário do governo. Anna se apaixona perdidamente pelo conde Vronsky (Aaron Johnson), da qual, ela o conhece quando vai visitar a cunhada Dolly (Kelly Macdonald), que tem sido traída pelo marido. O romance proibido tem como contraste o núcleo do rico agricultor Liévin (Domhnall Gleeson) que pede Kitty (Alicia Vikander), irmã de Dolly, em casamento e é rejeitado. A trama vai tomando ritmo com essa reflexão entre as diferentes convenções sociais de uma época em que a imagem é tudo.

Num grande debate sobre amor e casamento, o diretor mostra a história como se fosse uma peça teatral, tratando-a em forma de experimental, percorrendo desde o palco principal, até os bastidores. Com a aristocracia ditando regras, em certos momentos a trama pára e todos assistem aquele romance insólito, julgando-o como era de praxe. A metáfora funciona de forma única, já que o tratamento estético é uma das coisas mais belas feitas ultimamente no cinema, sendo ponto forte do filme. A direção de arte, figurino, maquiagem e fotografia são de uma natureza excepcional que preenche a tela como uma pintura em movimento. A trilha sonora, também do parceiro de longa data de Wright, Dario Marianelli, é magistral, utilizando os elementos que fazem parte da narrativa mesclando com o instrumental de fundo. É tão tocante e criativo todos os elementos, nesse sentido que, quando unidos, lembra o bom tom de Moulin Rouge (2001) de Baz Luhrmann, e faz o novo Os Miseráveis (2012) de Tom Hooper ficar ligeiramente para trás.

Infelizmente o excesso de personagens atrapalha um tanto a fluidez dessa narrativa experimental, ofuscando um entendimento mais amplo da hierarquia mostrada e quem é quem no contexto da obra. Acaba tropeçando em contar a história de Anna de maneira objetiva e dar maior reflexão aos sentimentos da personagem que soa até arrogante e tola em determinados momentos. Tal problema, faz chamar atenção para a trama coadjuvante entre o amor de Liévin e Kitty, que na simplicidade do drama descrito, evolui de forma estável, dando um sentido puro e menos tumultuado e sufocante do que o principal. Na história deles, a fluidez dos sentimentos é lírica, tocante e inspiradora. O homem que a vê como um anjo que vive no céu e ele na terra.

Joe Wright tem se tornado um diretor com uma carreira sólida, mesmo que com obras irregulares em seu currículo. Numa indústria que acaba se traindo pelos formatos quadrados que trazem pouca emoção, talvez se o tom ousado da construção visual do longa se refletisse no roteiro - tal como visto recentemente no musical Os Miseráveis, em que os atores atuam e cantam, sem maior interferência, assim dando um show de improviso - seria um respiro e a trama se sairia melhor. É como se a alma do longa (o aspecto técnico visual) não se encaixasse no engessado roteiro e atuações. Mas isso não tira o brilho que essa adaptação de Anna Karenina tem, e sua boa reflexão sobre o amor, que com qualquer obstrução exterior e interior, seja da sociedade ou do próprio indivíduo, pode desequilibrá-lo e levar qualquer um à loucura.



abril 27, 2013

Crítica: 'Homem de Ferro 3' oferece diversão de baixa qualidade

Mandarim, na verdade, é um grande malandro... 


Passados mais de dez anos desde que Homem-Aranha (Spider-Man, 2002) definiu um novo patamar para as adaptações de super heróis, Homem de Ferro chega ao seu terceiro filme com a mão firme da Marvel Studios - foi a primeira produção do estúdio em 2008 e que agora já tem produzido outros seis longas que interligam o universo dos quadrinhos. Dentro desse universo, a marca teve seu auge ano passado com o lançamento de Os Vingadores, após uma interessante ligação entre os filmes vindos antes: Thor, Capitão América: O Primeiro Vingador, O Incrível Hulk e os outros dois filmes do Homem de Ferro. Todos eles bons, com seus defeitos, mas que sempre funcionaram como entretenimento garantido. Os Vingadores faturou mais de US$ 1,5 bilhão nas bilheterias mundiais, sendo o filme de heróis mais rentável da história. Com isso, Homem de Ferro 3 (Iron Man, 2013) tem uma missão de manter o nível ou pelo menos cumprir seu dever como entretenimento. Eis que, o filme acaba decepcionando até o espectador mais leigo, abusando de piadas forçadas, um vilão ausente e um herói com dramas apáticos.

O sucessos de heróis como Batman, X-Men e o Homem-Aranha se dão, além pela popularidade e carisma do personagens, os dilemas únicos que ajudam a definir suas personalidades. Homem-Aranha é o jovem que após ganhar poderes, precisa lidar com as novas responsabilidades; Batman, traz consigo o trauma de um homem sombrio e complexo com sede de justiça; e os mutantes que carregam a necessidade de lutar pela aceitação e o fim do preconceito. Cada um com suas variáveis, desafios, vilões. Homem de Ferro comparado à esses, já peca pela falta desse ingrediente. Nos dois filmes passados, conhece-se um Tony Stark arrogante, alcoólatra, porém carismático. Seus dramas se resumem com sua armadura que o intoxica - e pelo jeito tudo se resolve pateticamente nesse longa. Se Bruce Wayne é o tipo de herói que Gotham City precisa, o Homem de Ferro é o reflexo fútil americano: narcisista, prepotente, com fome de sucesso em Hollywood.


Essa terceira parte, tem influência direta dos ocorridos em Os Vingadores com um Tony Stark  fragilizado e com crises de ansiedade pela experiência que passou. Até que o vilão Mandarim (Ben Kingsley) traz novas regras em um jogo de terroristas contra o comportamento norte-americano com questões externas e até ambientais - critica a forma descuidada de se extrair petróleo. Junto com o Dr. Aldrich Killian (Guy Pearce), Mandarim orienta ataques terroristas pelo país, obrigando o Homem de Ferro entrar no jogo e partir pra briga. Sem se aprofundar na política, apenas sugere algum poder negativo da mídia sobre a imagem dos terroristas, e a característica do vilão agir como tal, o filme só ganha um brilho maior pelos recentes atentados em Boston. Seria bom se a produção, então, se assumisse como uma produto estável e cumprisse seu dever de casa, mas o diretor Shane Black, que tem no currículo Máquina Mortífera e Melhor Impossível, trata o roteiro como uma grande comédia intercalando cenas de ação, mesmo com assuntos que dariam grandes reflexões.

Excluindo quase todos momentos de emoção mais intensa (a maior reviravolta do filme é uma pegadinha que garante risos nervosos aos fãs dos quadrinhos), Black erra na condução do humor que à cada meio minuto algum dos personagens faz as piadas mais banais possíveis. Como se não bastasse o exagero, Tony Stark passa boa parte do seu tempo entrando na toca do inimigo soltando bombas e mais piadas ou conversando com uma criança (da qual, estranhamente, mora sozinha), que já possui sua mesma sagacidade - abusando de mais piadas. Se o herói pouco aparece, Robert Downey Jr, ganha mais destaque. É como se fosse um Piratas do Caribe 3, focando num Jack Sparrow caricato, se apoiando no grande carisma de um Johnny Depp. Mas Homem de Ferro 3, tinha muita história pra contar, mas curiosamente faltou assunto no roteiro - o filme do meio para o final foca no sequestro e resgate - pasme - do presidente! Algo que de tão clichê e pobre, só caberia em um filme do Stallone e seus mercenários. O lance da tecnologia extremis, por mais que tenha a ver com a história, nessa adaptação parece coisa de Quarteto Fantástico de tão desinteressante.

Se perdendo em furos no roteiro - eles são muitos - o longa se sobressai pelos bons efeitos especiais, uma Gwyneth Paltrow mais ativa e em sintonia com a trama (o maior problema da maioria desses filmes: conseguir inserir bem o interesse amoroso do herói) e algumas piadas que funcionam, quando geralmente são contadas na hora certa. Por outro lado, é difícil não sair frustrado pelas poucas menções ou pistas sobre o universo Marvel, e mais precisamente sobre o que espera para o Homem de Ferro, já que o longa parece ter fechado uma trilogia - o mesmo mal de Batman, o Cavaleiro das Trevas Ressurge - deixando várias pontas soltas. Como balanço dessa década de heróis, Homem de Ferro 3  acaba sendo inferior aos seus antecessores e morre na praia quando se comparado ao filme dos vingadores. Uma pena, uma produção tão grandiosa e com um protagonista tão talentoso, não devia soar como um equívoco, já que o sucesso da Marvel em Hollywood ainda ecoa na indústria.

abril 26, 2013

Crítica: nova série 'Hannibal' tem visual impecável e aposta no suspense psicológico

Seriado supera expectativas


Seguindo o rastro de sangue de sucessos como Dexter e mais recentemente The Following que tem como protagonistas serial killers (isso eliminado tramas que focam em mentes bem controversas quanto, como Mad Men, Nurse Jackie, Boardwalk Empire, Breaking Bad, Homeland e por aí vai) a nova série Hannibal mistura um pouco de tudo isso que tem sido visto, mas acrescenta um ingrediente que tem feito toda diferença e é pra poucas produções: um visual impressionante. O seriado estreou na semana passada de forma atrapalhada pelo AXN Brasil (muito criticada por ser sido dublada e sem opção de legenda), mas que já acertou sua exibição com idioma original e legendas. Nos EUA, ela é exibida pela NBC e está no seu quarto episódio.

Baseado na obra Dragão Vermelho de Thomas Harris, autor também das continuações O Silêncio dos Inocentes e Hannibal, a série foca na relação entre o investigador do FBI Will Graham (Hugh Dancy), que depois de anos afastado, é convocado quando um serial killer desafia a polícia. Porém, apresentando problemas em relação ao passado que lhe causaram o afastamento, seu chefe Jack Crawford (Laurence Fishburne) pede auxilio de Dr. Hannibal Lecter (Mads Mikkelsen), um psicólogo que também ajuda em traçar perfis de criminosos, assim como era a especialidade de Graham. Entretanto, o investigador está num estado mental tão vulnerável, que Hannibal se aproveita para tirar informações preciosas, além de desafiar o jovem policial.

Superando as expectativas que estavam baixas, depois do que era a grande aposta da temporada The Following e virou uma grande decepção (uma série que tem algo intrigante, mas cheio de furos no roteiro, incoerente e apelativa), Hannibal em dois episódios se mostrou única, fugindo da ação exagerada e focando no psicológico dos personagens. Indo mais afundo de séries que põe o herói "moderno" cheio de defeitos e pontos vulneráveis de frente com o vilão humanizado assim mostrando semelhanças entre os dois - casos como em The Walking Dead e Revenge - Hannibal crava o ponto de interrogação com diálogos desafiadores, impulsionando o protagonista herói cada vez mais para o limbo, o que pode causar boas surpresas.

De primeiro momento a estreia foi muito bem sucedida, aposta num visual sombrio, sem ser escuro, da qual, a edição mistura alucinação e uma realidade crua - a direção de arte abusa de cenários vermelhos e elementos simbólicos sofisticados. É uma série bonita de ser assistida, sem dúvidas o peso de Bryan Fuller, que tem no currículo a maravilhosa Pushing Daisies e cuidou dessa adaptação, fez toda a diferença. A direção também é certeira, enquadramentos em planos abertos, ajudam a manter um clima tenso - não esconde nada, mas é como se algo estivesse ao redor. Por vezes lembra a condução de David Lynch no recente Millenium - Os Homens que não amavam as mulheres (EUA, 2011). Ou seja, uma superprodução, que tem um roteiro forte, muito bem conduzido e, como se sabe, guarda excelentes surpresas. Sem dúvidas a melhor novidade da TV aberta em tempos.

abril 24, 2013

Crítica: 'Mad Men' retorna ainda mais simbólica, cruel e surpreendente

Mudanças, assimilação, mudanças... epifania.



Ao final da quinta temporada, Mad Men jogou uma questão sempre pertinente ligada ao protagonista Don Draper (Jon Hamm): "você está sozinho?". O que se viu logo no início desta temporada, que retornou na segunda (22) na HBO Brasil, foi um Don, no mínimo, desorientado, atormentado. Eis que, depois de ter sentido as mudanças que vinham diretamente em sua direção, como uma onda prestes a se chocar contra ele, Don agora vive em um mundo que aos poucos vai lhe pondo de lado. Uma época em quem o Havaí ganha fama pela sua sensualidade sem pudores e que reflete essa sociedade mais liberal, tanto com as drogas, quanto com o comportamento das mulheres e sua aceitação na sociedade - até os negros agora fazem parte do ambiente de trabalho. A morte sempre lhe assombrando (genial a cena do ataque do porteiro), lhe joga uma nova questão: "por que você está sozinho?". Afinal, você não precisa carregar o fardo de outro. Estaria Don percebendo que Dick seria um caminho melhor para se ter seguido do que essa superficial vida como Don Draper?

O modelo de homem bem sucedido de Draper, vai aos poucos se esgotando, irritando companheiros de trabalho e transformando-se em um objeto publicitário: a imagem é que importa, representando um ideal, um sonho ou desejo. Don Draper perdeu seu brilho, e vai aos poucos virando um peso para a empresa - isso deve ser explorado mais à frente - e consequentemente à sua vida íntima. Como o poster da temporada já sugeria, Dick Whitman pode estar voltando, e o protagonista ou vai aceitar, ou vai lutar contra. Sabe-se que o tom melancólico é sempre elevado na TV à cada episódio de Mad Men, e parece que o nível deve aumentar ainda mais, afinal, todos personagens ali deram a entender de estarem mais uma vez em decadência, desde Peggy (Elisabeth Moss), até a jovem Sally (Kiernan Shipka). É Mad Men, fazendo o que sabe melhor: construir personagens de acordo com as mudanças culturais e comportamentais da época e desconstruí-los para assim acrescentar algo em suas personalidades - os mais espertos e que assimilam logo, se saem melhor.

O episódio ainda mostrou como estão os outros protagonistas da série. Em férias no Havaí, Don está na mesma melancolia de sempre, lendo Inferno de Dante Alighieri, primeira parte de Divina Comédia - dá pra notar o que ele está sentido, apesar do cenário de paz e tranquilidade. Numa breve conversa com um soldado, recém chegado da Guerra do Vietnã, se vê refletido nesse jovem quando queria ser como a imagem que Don representa: um homem sem sono conversando com estranhos. Don relembra seu passado e os ecos começam. Megan (Jessica Paré) está ficando bem sucedida na carreira. Fazendo uma novela, é reconhecida, dá autógrafos e dança - não Zubi Zubi Zou, infelizmente. No retorno para a casa, percebe-se que a sintonia deles não é a mesma, Don segue sendo aquela figura calada, que fez tudo em pró da esposa porque não tinha como lutar contra. Mas ele não faz parte daquilo.

Betty (January Jones) está bem. No seu sentido de vida, claro. Vive como uma esposa dedicada, no modelo antigo e ainda defende bravamente esse "status". Mas ainda assim é uma péssima motorista - essa forma sempre foi pequena pra ela. Sobra pra Sally ver com desconforto sua amiga fazer um recital de violino na sala e perceber que todos estão gostando. Ela não faz nada, nunca foi motivada para ser algo, e sim seguir os passos conformistas de sua mãe. Na cozinha, Betty conversa com essa jovem amiga da filha, que desde cedo já demonstra seguir os passos da mudança: fuma sem problemas, é idealista com uma vida desafiadora, da qual, seja independente. Não quer ser "essas donas de casa do subúrbio". As aspirações pela liberdade começam já cedo, e não esperam crescer como foi visto antes (vide o caso de Peggy) - curiosamente a jovem é órfã de mãe. Betty ficou com ciúmes, e com razão. Essa nova mulher é mais interessante, avassaladora, sexy - o mesmo caso de Don com Megan. Betty, claro, se ofendeu e partiu para o ataque ao questionar o marido que gostou de ver a jovem tocando violino.

Roger (John Slattery) . Oh Roger! Aquele homem que vivia os mesmo dilemas de Don Draper, com alguns anos de distância, havia aparentemente encontrado sua liberdade de pensamento - se divorciou, teve uma experiência com LSD e abriu mão de um novo casamento. Sua forma de assimilar, logo o estagnou. Roger então foi à terapia. Claro, que não tem resposta para o que ele sente, pois ele busca um sentido que provavelmente não lhe ensinaram à buscar. O que não é casamento, nem dinheiro, nem bebida, nem sexo. No escritório as mudanças foram as maiores. Mulheres circulam livremente, assim como a maconha. Uma secretária, negra, toma o lugar de Don, enquanto ele estava de férias.

Don chega confuso. Tudo está meio diferente. Secretárias choram e abraçam seus chefes e puxam assunto com clientes dos patrões. Agora eles devem ser apresentados como iguais. Mudanças... Um belo enquadramento mostra bem o lugar de Don, está deixado de lado - perdido em sons da onda do mar, os ecos do passado. Seus funcionários não concordam mais com seus ideais e se chateiam. Peggy, em outra empresa, é tratada com uma igualdade que ela sente na pele. Ela agora é cobrada da mesma forma que um homem, e precisa se adequar - linda a cena dela olhando para a janela, no melhor estilo Don pensativo. Na agência de Don, agora a publicidade recorre à imagem para ainda se manter relevante em um mundo mais orgânico e com pessoas menos ingênuas. É agora que esses publicitários vão sentido na pele o que é serem tratados como um produto plástico e todas as mentiras que ajudaram a vender. Decadência chegando.

Numa cena final e sufocante, o fotógrafo precisa tirar uma foto de Don, como se ele estivesse em ação. Precisam do sólido e imponente Don Draper, fazendo sua mágica. Mas, obviamente, Don não entende a situação, e sua crise existencial chega ao ápice com uma epifania ao ler uma banal frase sobre ele não precisar carregar o fardo que não é seu. Ironicamente no mesmo isqueiro que foi a chave da conversa com o jovem veterano de guerra no Havaí. Don Draper é um fardo tanto para os outros quanto para si mesmo. Um homem que não cabe mais na sociedade em constante mudança e que lhe cobra assimilar tudo o mais rápido possível. Um homem arrogante, inescrupuloso, falso moralista, machista e que assediava secretárias. Um homem que era a frente do seu tempo por ter vivido de forma verdadeira, ter um passado com sentimentos e conflitos, mas que precisava esquecer e ser outra pessoa. Assim, se consolidou no ramo da publicidade, da qual, também criou uma nova imagem para si. Agora ele foi engolido por ela, e tem sido mastigado até não aguentar mesmo ser aquilo que escolheu pra si. Mad Men retornou afiada, simbólica, ainda mais melancólica e desafiadora. 

abril 23, 2013

Crítica: nova série 'Copa Hotel' desvenda o valioso caos carioca

Seriado do GNT promete humanização de protagonista congelado no tempo


Desde que lançou no ano passado a versão brasileira do grande sucesso internacional, aqui chamado por Sessão de Terapia, o GNT tem investido no formato de seriados para angariar o público da TV a cabo, que não tem um produto nacional de sucesso no estilo. No Brasil, só a Rede Globo tem tido sucesso no geral, isso sem menosprezar as excelentes tentativas da HBO Brasil. Dirigida por Selton Mello, Sessão de Terapia fez barulho não só com a crítica, mas também com o público, basta medir o sucesso da série nas redes sociais (novo termômetro de audiência). Enquanto a nova temporada não chega, o canal têm outras quatro cartas na manga: uma estrelada pela querida Denise Fraga, 3 Teresas; uma com texto de Fernanda Young, Surtadas na Yoga; outra com episódios isolados a cada semana, As Canalhas; e Copa Hotel, que estreou na última segunda (22). Esse último começou com alguns tropeços, mas mostra potencial.

Copa Hotel segue a jornada de Fred (Miguel Thiré), que depois de anos fora do Brasil, volta ao Rio de Janeiro para enterrar seu pai, dono de um hotel em Copacabana. Como um peixe fora da água, vai se dando conta que muita coisa mudou, principalmente, o preço dos produtos e serviços, sendo que o caos continua reinando na cidade maravilhosa e malandra. Fred herdou o hotel, e agora precisa cuidar dele. Se à principio sua ideia era vendê-lo, ele vai começar a refletir melhor, mesmo que seu preço esteja em torno de 20 milhões de reais. Porém, Fred sente dentro do local - além da confusão que lembra a cidade ao redor: corrupção, sexualidade aflorada, bom humor - um certo conforto nostálgico, principalmente no que se refere a memória de seu pai. Fred não só escolhe se hospedar no quarto dele, como, literalmente, veste seu pai.

A forma, da qual, a série vai abordar e desvendar o que o pai de Fred tanto via naquele hotel, que à julgar pelas cenas dos próximos episódios é uma bagunça só, é que prende a atenção do espectador o inserindo no roteiro e no contexto. No primeiro momento, de apresentações, mostrou tudo de forma subjetiva, focando no motivo de Fred se afeiçoar pelo local, dando pouco espaço à trama de forma mais abrangente. Fred é um rapaz contido e com problemas de se expressar - até broxou. Ele ao pouco vai entender o custo tão elevado e o amor à essa cidade que tantos se entregam, outros odeiam, mas sempre desperta um interesse súbito por estrangeiros, exatamente por refletir um caos, mas também um calor humano, nostálgico, e que poucas cidades em desenvolvimento - ou desenvolvidas - podem se orgulhar de oferecer.

Apesar de um trama boa, atores mostrando serviço (Maria Ribeiro promete roubar a cena), o seriado ainda está aquém do que foi visto visualmente em Sessão de Terapia. A direção de Mauro Lima, que tem no currículo Meu Nome não é Johnny e a série O Pai Ó, não oferece uma sofisticação em filmagem como a vista na série de Selton Mello - que se passava praticamente dentro da sala do protagonista - e foi a chave do sucesso. Copa Hotel por momentos parece amadora, tanto nos diálogos, quanto nos enquadramentos quadrados e sem movimento. Carece de um toque mais ousado, como é a caracterização dos protagonistas e da direção de arte dos cenários. Espera-se que com o decorrer dos episódios, o seriado ganhe mais vida, movimento e trace, no humor peculiar, sua marca como a série sobre terapia fez no drama, pois, com essas apostas, o telespectador só tem a ganhar.

abril 19, 2013

Crítica: 'Da Vinci's Demons' estreia surpreendendo

 Canal de Spartacus apresenta excelente novidade


Estreou na última terça (26) pela Fox Brasil, a série Da Vinci's Demons, original do canal norte americano Starz, o mesmo de Spartacus, em parceira com a BBC. Já renovada para uma segunda temporada, o seriado conta um pouco da trajetória de Leonardo Da Vinci (Tom Riley) em Florença, numa época obscura politicamente e que tem seus primeiros passos para uma mudança cultural e comportamental com o Renascentismo. Nessa época, a Itália era assombrada por milicianos, uma eminente guerra, além de ser governada pela Igreja, corrupta - numa alusão aos Bórgias, conhecida pela corrupção e acusados de vários crimes para se manterem no poder. O seriado, sem esconder o tom ficcional, contextualiza o momento para contrastar com a personalidade de Leonardo, jovem, sonhador e que, literalmente, tem como obsessão asas (simbolizando seu desejo pelo livre pensamento).

O primeiro episódio foi um tanto exagerado em mostrar em cenas de nudez gratuita - homens com mais de 60 anos nus dão audiência? - e uma violência que até consegue se justificar, ainda mais se estão fazendo falando sobre Bórgias. Por outro lado, Leonardo é mostrado jovem, criativo e, sem dúvidas, um pensador livre, sem medos e com vários traumas (mas deu a entender que vai enfrentá-los). Como primeira impressão, o seriado se sobressaiu pela boa parte técnica, em essencial pelos efeitos visuais - depois de Game of Thrones, é o que se espera - e o roteiro que não esconde as referências importantes de O Código Da Vinci, um pouco de Indiona Jones e outras sérias que se passam no contexto, como o próprio The Borgias, da Show Time.

Personagens históricos e que são sempre alvo de muitas pesquisas, dada a sua importância na história mundial, são bem interessantes de serem mostradas na TV, nem que seja pelo mais puro entretenimento. Uma pena que falta equilíbrio. É a mesma TV que prefere dar voz a outros roteiros focados excessivamente aos vilões, sem trazer consigo algum tipo de reflexão e questionamento - a malvadeza por ela mesma. Se Os Bórgias no auge da sujeira e negatividade, já estão na sua terceira temporada (além de serem duas séries no momentos sobre eles), é um tanto estranho porque outros personagens tão ricos em debates e caracterizações, são rejeitados pelos canais. Mas a resposta não é tão difícil, e pouco tem a ver com o sucesso dos vilões. Esses personagens, grandes músicos, cientistas, ainda são vistos de forma torta por muitos, exatamente pela firmeza em suas convicções, geralmente controversas em sociedades religiosas - não muito tempo atrás, um filme sobre Darwin foi boicotado dos cinemas americanos. Mas ainda é mais aceito ver o incesto, o sangue, as mentiras e as atrocidades da família Bórgia do que esse interessantíssimo personagem que foi Da Vinci, e essa série está aí para surpreender, tanto pelas qualidades surpreendentes, tanto pelo protagonista.

abril 16, 2013

Crítica: 'House of Lies' finaliza temporada nervosa

Primeiro ele perdeu a família, agora Marty perde os amigos, mas os negócios são promissores


Foi ao ar no último domingo (14), o episódio final da segunda temporada de House Of Lies, série do Show Time que a HBO exibe por aqui. Foi uma temporada bem estável e que terminou com a média positiva, apesar de tensa. A cena final representou bem o que foi visto no decorrer da temporada, Marty (Don Cheadle) duelando consigo mesmo, como se um alter ego sombrio ditasse o que ele deveria fazer, obviamente para ele conseguir ser mais competitivo, seja no trabalho ou na família. Marty que havia perdido seu filho para a ex-mulher na primeira temporada, agora conseguiu atingir seu ápice de arrogância e egoísmo: perdeu seus amigos e, entre eles, a pessoa que ele não assume estar apaixonado. Por outro lado, ele colhe os frutos de suas "boas" estratégias profissionais.

Ficou mais claro nessa temporada, que quanto mais conhecemos Marty, entende-se que a forma dele pensar e agir, está ligada diretamente com o sua realidade: um homem de negócios negro e com um passado sofrido. Quando tocada na questão racial sua atitude é o silêncio: ele apanhou por policiais numa batida e resolveu não dar queixa - chegando passar um exemplo tanto confuso para seu filho, que além de negro, é visivelmente afeminado. Outros exemplos que transparecem uma forma dele fazer de tudo para não perder o controle são: na forma como ele se relacionou com o problemático e idealista irmão, que acabou cedendo as chantagens de Marty e foi embora levando uma boa quantia - o que representou mais uma prova para ele de como o mundo funciona; e também passou a perna na sua equipe, quando desejou levá-los para trabalhar consigo - no fim, foi abandonado. 

No trabalho ele tem como sócios (olha a ironia) um político branco, racista e idiota e um grande banco corrupto - ambos são aliados de peso para a nova empreitada. Marty é um homem que vive de aparências, numa selvageria do mundo de negócios, da qual, ele usa o ataque como estratégia. Usa tanto o sexo, quanto sua inteligência para conseguir o que quer, só esquece que usar isso no campo de relacionamentos mais fortes e intensos, o resultado nunca é positivo, enquanto acha que no campo de negócios, ideais não interessam e sim ser bem sucedido.

Depois do episódio piloto que dava pistas que Marty tinha uma paixão por Jeannie (Kristen Bell), a segunda temporada mostrou que os sentimentos estavam começando a transparecer. Tal balde de água fria em Jeannie, que foi humilhada após tomar a atitude e de assumir que também sentia algo por ele e levou um fora, mostrou bem o que Marty é: um homem com medo de ser vulnerável, com receios de perder o controle - e talvez seu passado ainda seja revelado para ele ter se tornado amargo e viver no ataque custe o que custar. 

Os outros membros da equipe, Doug (Josh Lawson) e Clyde (Ben Schwartz), apenas se decepcionaram com a forma que o chefe agiu - eles sempre pensaram que ele era também um amigo. Doug (um dos personagens mais simpáticos da TV no momento) não conseguiu nem um sorriso de Marty em seu casamento, mas ao menos tomou sua primeira atitude de homem e escolheu não seguir o chefe; Clyde não só levou uma rasteira, ao ter perdido o trabalho que havia conseguido em parceira com Marty, como acordou pra vida e, com sede de vingança, agora vai se aliar a ex-mulher do chefe numa nova equipe. E o final é bem representativo, Marty num galpão gigante, vazio e comemorando seu novo negócio, mas que ainda só conta com seu pai e seu filho como aliados, e isso parece não significar nada nessa selva, pelo menos pra ele.

abril 14, 2013

Crítica: 'Oblivion' mostra um visual poético e angustiante da Terra pós-apocalipse

Tom Cruise estrela filme de estética linda e história complexa na medida certa


Com a indústria cinematográfica ainda seguindo o fluxo criado pelo fenômeno Avatar (2009) - este ano os cinemas estão abarrotados de filmes essencialmente do gênero de ficção científica: Star Trek: Além da Escuridão do já renomado J.J. Abrams; Depois da Terra, primeiro desbravamento de M. Night Shyamalan no gênero; Elysium do diretor de Distrito 9, Neill Blomkamp (que tem o Wagner Moura no elenco); Gravidade do criativo diretor Alfonso Cuarón e Ender's Game de Gavin Hood - Hollywood ainda tenta fisgar o público com outros lançamentos que contém ao menos caraterísticas do gênero - o que aumentaria bem a lista, se até a mitologia de Thor engloba elementos da ficção científica. Mas quem é fã, sabe que nada melhor que um bom filme que segue as regras (ou cuidadosamente as quebra) para satisfazer um gênero tão posto de lado na última década - talvez por ser considerado por vezes "nerd" demais, visto sua recorrente complexidade. Melhor que o esperado, Oblivion (2013), abre a temporada sendo a primeira grande surpresa positiva do ano.


O longa estrelado por Tom Cruise (muito bem no papel, por sinal) traz uma Terra pós apocalíptica com uma guerra intrigante entre alienígenas e humanos, como se fosse uma milícia contra um grande exército tecnológico. Cruise vive um agente Jack Harper, que junto com uma parceira Victoria (Andrea Riseborough) - parceira também na conotação sexual, tal aspecto logo fará sentido no decorrer da trama - passam por missões de controlar a ação de inimigos e a manutenção de máquinas de segurança. O trabalho de fiscalização está no fim, e dentro de duas semanas eles serão remanejados para uma das luas de Saturno, onde estão os humanos refugiados. Eis que uma nave cai, e como sobrevivente está Julia (Olga Kurylenko) - a mesma mulher, da qual, Jack tem sonhos e lembranças reais de um passando antes da guerra que culminou na destruição parcial do ambiente.

A primeira parte do filme é um festival de cenas magníficas e esplendorosas. O olhar de Joseph Kosinski, que tem no seu currículo o também belo Tron: O Legado (2010), mostra um apocalipse contrastando com paisagens, pontos turísticos destruídos, mas ainda assim fantásticos, como se a Terra tivesse sido destruída de forma poética. A trilha sonora, apesar de apresentar os mesmos nuances da usada em Tron, dá um tom na trama de forma emocionante, amarrando as cenas mais paradas com a ação recorrente. O diretor equilibra os efeitos visuais sem exageros deixando a produção com ar realista, sem banalizar ainda mais a extravagância da indústria. A mão precisa de Kosinski, assim como seu apelo visual e a trilha nervosa, podem muito bem lembrar a característica de Christopher Nolan em A Origem (2010), que tem sido a referência mais forte nos últimos anos em filmes de ação e ficção científica. Ainda recorre ao clima angustiante de Lunar (2009), a Sally, figura cibernética de 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968), o sentimentalismo delicado do amor ao planeta do ótimo Wall-e (2008), entre outros filmes do gênero.

Porém, nem tudo são flores. Oblivion, a partir da metade até o fim se transforma numa aventura cheio de reviravoltas, agarra um ritmo mais tumultuado e a edição comete o grande equívoco de querer deixar a trama mais confusa e complexa do que ela realmente é. O clímax no espaço também deixa à desejar, já que o caminho escolhido parece um tanto incoerente, tamanho seria a inteligência do inimigo. No entanto, nada disso tira o brilho do longa que entretém de maneira satisfatória, e ainda desafia o espectador com uma história cheio de significados - muitas vezes a barreira da lucidez somos nós mesmos - e ainda reflete sobre o quão lindo é a Terra e como esse sentimento de pertencer a esse lar é o principal meio de assim conservar e protegê-la de qualquer mal. Parece precipitado à dizer, mas Oblivion já pode garantir sua vaga entre os melhores do ano, e vai dar trabalho aos outros concorrentes do gênero (visualmente ainda mais). Felizmente, uma grata - e bela - surpresa.



abril 12, 2013

Crítica: 'Nashville' mostra os bastidores nada glamourosos do show business

Série acompanha vida de estrelas country decadentes e em ascensão


Existe dentro da indústria do entretenimento uma vertente que pode ser assustadora para as mais velhas estrelas: o tempo. A pressão sofrida por artistas que ultrapassam pelo menos os 10 anos de carreira, começa a ser percebida por quem está de fora, tanto com os constantes desabafos destes sobre empresários, executivos ou sobre o próprio mercado, quanto simplesmente pela forma que alguns buscam se reinventar, ou simplesmente somem. Na música a pressão é ainda mais cruel, já que o mercado anda em baixa. A nova série Nashville, que estreou na última quarta feira (10) pelo canal Sony, promete mostrar o lado nada glamouroso de quem vive isso.

A trama segue a trajetória de vida de duas cantoras do gênero country: a veterana Rayna Jaymes, interpretada pela ótima Connie Britton, conhecida por seus papéis em American Horror Story e Friday Night Lights - da qual, foi indicada duas vezes ao Emmy; e a novata Juliette Barnes, feita pela Hayden Panettiere, revelada em Heroes e que amargou fracasso na sua tentativa de entrar na indústria da música pop no período da série. As duas são bem diferentes, apesar de representarem o mesmo estilo. A primeira tem um ego grande, conquistado por sempre ter sido tratada em cima de um pedestal, além de ser orgulhosa (mas sem comprometer sua essência de boa pessoa), enquanto isso, Juliette é amadora, desafinada e possui apenas um carisma invejável - pessoalmente é uma ninfeta manipuladora. Com a carreira apresentando desgaste após 21 anos na mesma gravadora, Rayna ouve dos executivos que precisará abrir os shows de Juliette como estratégia comercial causando revolta. É aí que estas e outras questões vão dando ritmo à trama.

Além desse furacão que passa pela vida da veterana, o seriado lembra outra série musical que mostra os bastidores do show business, Smash, ao focar nos amores adormecidos de Rayna com um integrante da banda, e que para a surpresa (ou não), terá um repentino caso com Juliette. Outra trama, ligada ao núcleo de Rayna é focado na política - curiosamente, Smash também. Tal utilização do cenário político é, além de mostrar o relacionamento conturbado de Rayna com seu pai e marido, também vai servir como analogia ao mundo cruel que envolve intrigas e jogo de poder tanto lá quanto no mercado da música. Uma série que mantém uma média boa de atuações, um roteiro ágil e bons musicais - mesmo cheio de personagens clichês e situações banais -, e mesmo não sendo um grande destaque na temporada, vale por apresentar uma realidade nada glamourosa na própria industria do entretenimento, e isso é sempre bem vindo.

abril 06, 2013

Crítica: 'Downton Abbey' estreia cheio de intrigas e com produção impecável

Seriado mostra impiedosa hierarquia imergindo junto com o Titanic no início do século XX


O ano é 1912, o mês abril. Afunda o "inafundável" Titanic, que partiu da Inglaterra rumo aos Estados Unidos e marcou, com tristeza, uma das maiores tragédias da história. Mais do que isso, o navio afundava levando consigo, a imagem simbólica de separação entre classes, preconceito e injustiça. Como visto na obra cinematográfica de 1997 e em documentos, o resgate foi predominado em salvar a classe social mais alta, distinguindo e abrindo ainda mais uma fenda social. As condições eram diferenciadas - não muito diferente do que hoje em determinados serviços - mas o desastre funcionou como reflexão. Tal ferida social é dissecada na excepcional série inglesa Downton Abbey, que estreou na última quinta feira (04), no GNT - depois de sucesso entre os ingleses e, mais recentemente, americanos.

Centrado numa família aristocrata inglesa, o seriado vai à fundo ao mostrar como funcionava as engrenagens de uma rica propriedade, desde seus empregados até os planos da família central para não perdê-la, após a morte dos que seriam os herdeiros - aí entrou o Titanic na história. Trata-se da família Crawley que tem  Robert (Hugh Bonneville), Conde de Grantham e senhor de Downton Abbey, sua esposa Cora Crawley (Elizabeth McGovern), americana e Condessa de Grantham, e as filhas: a mais velha, Lady Mary Crawley (Michelle Dockery), a do meio Lady Edith Crawley (Laura Carmichael) e, a mais nova, Lady Sybil Crawley (Jessica Brown Findlay). A trama deles centra-se em encontrar pretendentes para as filhas, pois na falta de um herdeiro homem, eles ficam sob risco de perder a propriedade, pois Mary se casaria com um primo de Robert, assegurando a residência. Então, vão atrás de Mr. Matthew Crawley (Dan Stevens), primo em terceiro grau de Robert. Ainda nesse núcleo estão a sempre ótima Maggie Smith como a brigona sarcástica Violet Crawley, Condessa de Grantham, mãe de Robert e Penelope Wilton como Mrs Isobel Crawley, médica e mãe de Matthew.

Já na outra parte da história, bem no subsolo, estão os criados: o rígido mordomo Charles Carson (Jim Carter) que preza pelo padrão de qualidade dos serviços gerais; a governanta sonhadora Elsie Hughes (Phyllis Logan); a maquiavélica criada pessoal de Cora, Sarah O'Brien (Siobhan Finneran); o lacaio ambicioso e inescrupuloso Thomas Barrow (Rob James-Collier); o lacaio novato William Mason (Thomas Howes); a criada líder Anna Smith (Joanne Froggatt); entre outros. Eles são surpreendidos com a chegada de John Bates (Brendan Coyle) que chega pra ser ajudante de Robert, porém, com problemas no joelho é alvo de preconceito e armações de alguns empregados que, cada um, defende seus interesses de tirá-lo do cargo. Mas ele vai contar com o apoio de alguns, e principalmente de Robert, que já foi seu companheiro em um combate.

Eu já conferi a primeira temporada, que além garantir um bom entretenimento - apresentando um roteiro dinâmico, cheio de intrigas e um recorrente humor - ainda desperta um interesse de visualizar como era a difícil hierarquia de classes em tempos de mudanças no contexto histórico e adventos tecnológicos - a série vai abordar a entrada do telefone nos próximos capítulos, e já mostrou a dificuldade de alguns com a chegada da energia elétrica. As atuações não são lá o ponto principal, algumas são bem novelísticas, assim como a mão da direção (bem convencional), porém, o visual é hipnótico (principalmente em HD). Principalmente a direção de arte, fotografia, maquiagem, figurino e as locações.

No primeiro momento conhecemos Downton Abbey como conhecemos Titanic no filme de James Cameron. A câmera desliza entre corredores mostrando que os empregados já estão trabalhando. Em outro momento intercalam-se conversas de lacaios entre eles e seus patrões. Aos poucos toda essa hierarquia vai se fragmentando, mesmo que de forma lenta, e assim vão surgindo histórias, amizades e mais intrigas. Uma série pra ser contemplada, analisada e se distrair com o bom roteiro. E que vai mesclando o contexto histórico mais intenso (revoluções e guerra) como peça fundamental para a constante mudança de comportamento dos personagens e a assimilação de todos diante o novos fatos cotidianos. Felizmente, a mudança foi pra melhor e, simbolicamente, o modelo arcaico, afundou com o até então "inafundável" - esses mais impiedosos com um sistema mais maleável e respeitoso, vão aos poucos se afogando. Imperdível.


abril 03, 2013

Crítica: A temporada meia-boca de 'The Walking Dead'

Seriado fecha terceira temporada instável


Uma das cenas do final da terceira temporada de The Walking Dead (exibida ontem, 02, pela FOX Brasil), a personagem Andrea, presa pelo Governador, fica tentando se soltar de uma cadeira, da qual, ele a acorrentou. Tentando pegar um alicate no chão, a personagem passa a agonia de não conseguir ser rápida o bastante e fugir do eminente ataque do recém transformado em zumbi, Milton - depois de morto pelo Governador como forma de punição por uma traição. Como de praxe em filmes de terror B, ela se contorce, tenta usar os pés, pára por um momento pra bater um papo com o homem quase morto, e até deixa o objeto cair. Por fim, é atacada. Se tem uma cena que pode muito bem resumir o que foi a tensão da terceira temporada, é esta. Patética, sem sentido e que brinca com o intelectual do espectador.

Assunto constante em histórias de apocalipse, a formação de milícias, é algo comum numa sociedade que vive com medo e anseia pela vida e proteção. Sua aceitação em favelas e lugares perigosos, e até a utilização dessas em reinados passados, mostra muito bem como sua forma violenta de agir causa um bem estar na população protegida por ela. Mas um dia, eles se voltam contra a própria população. Em Woodbury, no entanto, seus moradores só foram conhecer a face obscura desse modelo na segunda parte da temporada. Vimos a mudança de um homem atormentado pela morte de parentes, se transformar em um temível ditador e líder miliciano atrás de inimigos. Do outro lado, Rick também teve uma transformação extraordinária. Enquanto o Governador teve, literalmente, uma visão da situação - numa referência ao facismo - Rick, por outro lado, teve um sexto sentido.

A dualidade mostrada entre os dois líderes foi bem trabalhada na temporada, mesmo que de maneira um tanto tosca. Rick teve visões de sua esposa já morta, e tomou atitudes um tanto exageradas - ele pensou em entregar Michonne para os inimigos e, como um louco, falou com a esposa morta. Enquanto do outro lado, o Governador se instruiu em ser o mais malvado possível. Perseguiu Andrea, matou metade de seu exército e executou seu até então fiel parceiro. Isso também, claramente tudo feito de forma exagerada, sem a maior lógica numa situação apocalíptica que todos se encontram.

Essa temporada de The Walking Dead falhou em diversos outros sentidos. Se na anterior, as pessoas reclamavam da pouca ação, pelo menos os conflitos pessoais movidos pela ética humana eram interessantes. Repetições como o fato de o Governador manter sua filha aprisionada, lembra o mesmo questionamento de Hershel na sua fazenda com um celeiro cheio de parentes de conhecidos. Foi o máximo que questões éticas tratadas na temporada. A medida foi caprichar no aprofundamento de personagens. Porém, a principal delas, conseguiu ser irritante a maior parte do tempo: Andrea. Vimos dilemas de Rick, Governador, Carl, Daryl, Michonne, Merle e Gleen. Todos de fato com um peso em particular, mas Andrea foi a que tomou o foco, quando no entanto ela só estava querendo que ninguém morresse, porque de fato se apaixonou pelo Governador. Mas suas medidas podem muito bem serem vistas como anti heroicas, afinal, ela abandonou os amigos e não matou o ditador quando teve a chance. Não entenderam ainda que estão em um apocalipse e a luta pela sobrevivência é o que importa? Ou, ao menos, recompensar os que a ajudaram chegar até ali, como Rick e Michonne. Michonne, essa que entrou pra ajudar, e só foi feita de saco de pancadas em todos os lados. Andrea a abandonou e Rick queria entregá-la aos inimigos. Vai entender essa lógica.

Outros pontos negativos, foram vícios da série, como a pose dos sobreviventes ao matar zumbis, que cai por terra quando Andrea não consegue sequer se livrar de correntes - o Gleen não conseguiu amarrado matar um zumbi? A falta de comunicação entre eles também gera discussões. Merle não deixou nem um recadinho adorável avisando que iria fazer o trabalho sujo sozinho; ou Rick quando havia tomado a decisão de não entregar a Michonne, deveria no mínimo ter feito uma nova reunião às pressas; no mesmo episódio, Daryl quando encontra Michonne, não conversa com ela, nem fala sobre a situação. Sobra pro Hershel ser o mais comunicativo e homem que sempre tem algo de importante à dizer.

A temporada também soube enrolar. Foram episódios inteiros que pouco acrescentaram à trama: Andrea teria ido visitar Rick querendo a paz entre eles. O episódio praticamente se concentrou nesse tedioso encontro, e no fim não serviu pra nada. Em outro, foi uma reunião entre Rick e o Governador. Tomaram uísque e praticamente não chegaram à lugar algum. No meio dessa aridez de conteúdo, muitas cenas gratuitas de estupidez: Merle tentando ligar um carro, percebendo que o alarme está soando alto e que obviamente atrairia zumbis para ali, mas ele continua numa tranquilidade no mínimo ridícula; Andrea avisa - sim, ela avisa - que está fugindo de Woodbury. Logo, o Governador vai atrás dela. Ela corre. Ele buzina. Ela, de noite, entra em um depósito ou pequena fábrica que tem a cara da morte. Ela entra, e ele vai atrás. Uau, tem zumbis ali. Como um bom filme de terror B... ruim.

Momentos interessantes e de comoção, quando Rick, Michonne e Carl, encontram um importante personagem da primeira temporada e que Rick deve sua vida à ele, ou finalmente o acerto de contas entre Daryl e o irmão, na verdade se perdem na banalidade da violência e na enrolação da trama. Por fim, o episódio final, centrado na despedida de Andrea, da qual, foi em outras vertentes decepcionante. O sumiço do Governador nos minutos finais foi anti-climático, preguiçoso. O embate entre os grupos foi mal construído. Rick levando mais uma penca de sobreviventes, é no mínimo incoerente. Qual é o preço de resgatar mais prisioneiros? Apenas mostrar o filho o valor da humanidade? Sabemos o que vai acontecer, por mais que as intenções sejam boas. Haja paciência de ver cada um daqueles novos personagens morrerem. Será que não havia outras formas de Rick se mostrar um bom líder novamente ou o Governador se mostrar um louco assassino sem matar seu exército inteiro?

E foi a temporada que em meio de todas essas cenas gratuitas, bobas e inverossímeis, a que mais apostou em sangue, tiros, cortes, lutas, zumbis e conversa fiada. Uma sensação de perda de tempo, numa história que teria tanto à render. Como a audiência é que manda, o canal AMC tem a preocupação de espichar a trama o máximo que dê, ainda mais guardando o grande vilão da temporada para mais uma. Resta saber se o público continuará comprando essa enrolação e falta de conteúdo pra ficar como um zumbi vendo mortes e sangue sem qualquer questionamento - porque sim, em The Walking Dead, os vivos dão trabalho, mas os mortos que nunca foram o foco da série, parece que agora são mais importantes que qualquer boa história. O importante é criar tensão, como um filme de terror ruim, bem ruim.