Páginas

maio 30, 2013

Crítica: dirigido por Robert Redford, 'Sem Proteção', discute ativismo x terrorismo

Diretor engajado tem ótimas intenções, mas longa não decola nem com elenco estelar 


Considerado um dos atores e diretores de maior prestígio na indústria hollywoodiana, Robert Redford tem sido conhecido por ser também um dos maiores militantes políticos dentro dos Estados Unidos e, cada vez mais, levando discussões e debates para as salas de cinema. Adotando uma posição geralmente neutra dentro de debates em seus roteiros, como o visto no excepcional Leões e Cordeiros (EUA, 2007), seu novo longa, Sem Proteção (EUA, 2012) assume riscos mais acentuados ao refletir sobre ativismo esquerdista na vertente pacifista, mas que tem um lado mais radical por parte de alguma militância que acaba entrando no terreno do terrorismo.

O filme narra a história de Jim Grant (Redford) um advogado de direitos civis, viúvo, que cuida de sua pequena filha. Após a prisão de uma terrorista (Susan Sarandon), ex-militante do grupo radical americano Weather Underground e que participou de um grande assalto à banco em 1968 - momento da qual, o grupo se aproveitava dos protestos contra a guerra no Vietnã -, Grant fica na mira do jovem jornalista Ben Shepard (Shia LaBeouf) que logo descobre sua ligação com o grupo e  publica a história, causando alvoroço. Com isso, Jim acaba sendo perseguido pelo FBI (encabeçado por atores como Terrence Howard e a jovem Anna Kendrick). Enquanto isso, Shepard vai juntando peças e descobre que Jim tem um plano muito maior que aparenta ser uma simples fuga.

Com aparição de nomes como Julie Christie, Richard Jenkins, Stanley Tucci e Nick Nolte, a história que deveria remeter à um grande mistério envolvente, se perde em diálogos arrastados (não muito diferentes de Leões e Cordeiros, porém menos impactantes) e cai em clichês de filmes do gênero, como o fato do FBI ter sindo enganado por 30 anos, e agora precisa usar todas suas artimanhas tecnológicas pra perseguir o fugitivo septuagenário. O ritmo do filme, é o equivalente a Redford correndo pra lá e para cá, sugere algum charme oriundo de seus filmes passados, em especial ao espetacular Todos os Homens do Presidente (EUA, 1976), mas perde o fôlego logo. A constelação que participa do filme, parece mais querer enganar o roteiro frágil, mas que é esticado ao máximo e assim deixar espaço para as divagações políticas de Redford.

O longa reflete basicamente a mudança de valores sobre o ativismo político. O embate entre Jim Grant e Ben Shepard é exatamente sobre a falta de paixão nos jovens de hoje em ideologias políticas. Tudo é manchete sem qualquer questionamento sobre os sentimentos dos retratados em histórias em questão. O imediatismo que fere princípios e o lado poético de grandes movimentos. Todos perdidos nessa cultura do twitter e facebook. Muito se tem em comum entre Ben Shepard e René Saavedra, personagem de Gael García Bernal no recente filme chileno No, sobre a queda do ditador August Pinochet. Ambos estão sedados pela suas profissões - René é um publicitário - que envolvidas pela necessidade capitalista, imediata, esquecem o passado e se importam com o agora, em cumprir as pressões do mercado - o jornalismo, que anda em crise, ainda mais desesperado e fadado ao ostracismo.

O problema é que Redford tem um discurso mais claro voltado ao esquerdismo, inclusive participa de campanhas democratas dentro dos EUA. Se em Leões e Cordeiros a filosofia sobre o que é a vida em meio a essas ideologias de direita e esquerda é tratado de forma argumentativa e marcante, em Sem Proteção seu debate soa hipócrita, ainda mais quando o próprio governo Obama se vê envolvido em casos de invasão à liberdade de imprensa, inclusive com jornalistas sendo alvos de grampos telefônicos. E ainda tem o fato de o FBI ser mostrado como aquela entidade obsessiva e até fascista, esquecendo que tudo tem ligação com o que ele defende, o momento contraditório e sem qualquer sentido ideológico do governo americano. Redford poderia voltar a ser mais neutro, pra assim não cair em contradição, ou pelo menos, fazer um filme tão interessante como o chileno, deixando para o público refletir, sem precisar de mostrar uma cena de um professor ensinando Marx numa faculdade. Em tempos de terrorismo e violência, o público não merece tanto didatismo ideológico como justificativa.

maio 29, 2013

Crítica: com estética marcante, 'No' retrata um Chile em transição

Filme mostra os último dias da ditadura Pinochet e debate sobre a publicidade


Assim como em diversas regiões pelo mundo, inclusive em quase toda América do Sul, vários países tiveram seus problemas com ditaduras longínquas, com a violência na base de torturas, desaparecimentos e muita opressão com quem pensasse e agisse em oposição ao governo. Se no Brasil durou 21 anos, no Chile a coisa foi um pouco menor (17 anos), porém, segundo registros, até mais violenta. O filme No (Chile, 2012) do diretor Pablo Larraín, indicado ao Oscar 2013 como melhor filme estrangeiro, retrata os momentos decisivos em que uma chance surge contra o líder e general Augusto Pinochet. Com uma estética marcante que reflete o período em que se passa a história (final dos anos 80), No é um filme equilibrado, que não escolhe um lado - o também violento marxismo vigente em outros lugares é discutido - e parte de um foco central, o publicitário René Saavedra (Gael García Bernal).

Depois de dois longas tratando sobre o assunto da ditadura - Post Morten (2010) que foca no golpe de 1973 e Tony Manero (2008), sobre a repressão em 1978 - No parte do momento em que com grande pressão internacional, Pinochet se vê obrigado a realizar um plebiscito em 1988, da qual, os chilenos deveriam votar em Sim ou Não em relação à sua permanência. Como de praxe em eleições, as duas vertentes teriam 15 minutos diários na TV - esta sob o controle do governo. Logo no início conhece-se René, publicitário que trabalha para grandes corporações. Terminava de apresentar uma peça para uma campanha de refrigerantes (curiosamente chamada de Free, seguindo o preceito do capitalismo vendendo a liberdade) que seguia os traços da Coca-cola. Apático em relação ao atual momento político, sem demonstrar qualquer problemas com o governo, René segue sua vida cuidando de seu filho, sozinho - uma boa contradição ao que vende. Eis que recebe a visita de um antigo amigo, comunista, que pede sua ajuda para coordenar a campanha do Não.

A dualidade do protagonista é o ponto forte do longa. René trabalha para a campanha, mas logo é descoberto pelos grandes empresários. Sem medo, segue prestando serviço aos dois, mas começa então a sofrer ameaças do lado "direito". Além, disso seu talento e seu conhecimento sobre o público alvo, ou melhor, o povo, ele decide que o tom da campanha deveria ser alegre, seguindo a ideologia convencional de "comerciais de margarina". Mesmo com objeção de alguns radicais, René consegue aos poucos levar a campanha do Não para o sucesso e também manter seu trabalho com a oposição (o principal cliente dele, é ligado diretamente ao gabinete de Pinochet).

Além de mostrar algumas características que poderiam fazer René um desses radicais esquerdistas - seu pai é um grande conhecido e respeitado pelo partido de esquerda, e sua ex-mulher uma militante - ele segue seu trabalho como prioridade, acreditando fielmente nele. Aceitar a campanha já foi um triunfo, afinal ele tem um cinismo à la Don Draper de Mad Men. Antes de começar qualquer apresentação diz uma simbólica frase: "Antes de mais nada, o que verão a seguir, está marcado dentro do atual contexto social". Irônica,  se tratando de campanhas de futilidade (no sentido em que o capitalismo que vende sua ilusão material), mas ela reflete de maneira bem próxima o que é uma ditadura e seus nuances também ilusórios, baseados no consumismo que garante bem estar às pessoas em contradição com a violência às escondidas. Ao mesmo tempo ele diz muito o que é o atual contexto social, a sociedade de plástico, que quer a mesma experiência que vê dentro dessas peças publicitárias. Tais nuances são levados ao extremo na campanha do Não e logo copiada pelo Sim. Afinal, a esquerda só tinha sua realidade sombria pra levar à TV - o que não iria pegar bem e não iria vencer (basta ver como a "esquerda" dentro do Brasil mudou seu discurso e chegou ao poder).

No é uma obra diferente, bem estruturada e sobre política sem ser política - servindo para diversos olhares críticos e reflexões. Sem apelar para o dramalhão, foca em um olhar capitalista, imediato (que mostra uma mudança de valores, menos passionais em relação ao passado). Seguindo à risca o termo de Maquiavel, da qual, os fins justificam os meios, René conseguiu ajudar a libertar o Chile de maneira pacifista e utilizando seus ideais, mesmo que controversos. Baseou-se em sua esperta visão sobre a população naquele contexto e vendeu sua democracia, sem qualquer rastro da selvageria revolucionista que jamais dera resultados positivos em tirar Pinochet do poder. Com estética magistral, que bem lembra comerciais oitentistas - marcado pela cultura VHS - No é um retrato de um personagem central, sem lados, que observa por cima e consegue com excelência moderar a comunicação entre eles, sem criticar o avanço econômico do país. E o que mudou pra ele? Basicamente nada, ele continua entorpecido em seu bem estar capitalista, aparentemente, próspero e desfrutando dos lucros de seu excelente último negócio: a campanha do Não.

maio 13, 2013

Crítica: 'Dexter' finaliza temporada surpreendente com a redenção entre irmãos

Penúltima temporada elevou a maldade em alto nível


Sete temporadas depois e, finalmente, a série Dexter caminha para fechar seu ciclo de vida. Foi ao ar no último domingo (12), pelo FX Brasil, o último episódio da sétima temporada. Esse desfecho serve para início do fim de uma das séries mais aclamadas pela crítica e público, devido seu roteiro dinâmico, sua história desafiadora e suas atuações marcantes. Dexter (Michael C. Hall), o monstro em pele de cordeiro, perdeu o controle de sua psicopatia assassina e agora seu lado sombrio contaminou sua irmã, a tenente Debra (Jennifer Carpenter). Essa que sente amores pelo irmão, agora se tornou uma cúmplice agindo de forma arrebatadora. Como será o final dessa história?

Essa temporada foi instigante em diversos sentidos. Os roteiristas parecem ter meio relaxado e trataram com menos seriedade os furos quase raros em todas essas temporadas. Dexter agora ataca até em rua, perto de um parque, em manhãs ensolaradas. Arromba casas como se não tivesse qualquer preocupação, entra em computadores de mafiosos sem precisar de senhas e ainda planta provas contra qualquer um que suspeita dele sem qualquer problema maior. Essa característica exagerada serviu pra manter o dinamismo da série. A temporada que começou fermentando um arco sobre a máfia russa, foi deixado de lado para abrir caminho à surpresas que quase culminaram na descoberta da verdadeira identidade de Dexter.

Começou também com seu embate com a irmã Debra que o pegou em flagrante, matando o grande "vilão" da temporada anterior. O duelo acabou levantando uma questão mal resolvida anteriormente: o amor de Debra pelo irmão. Tudo isso facilitou tal assimilação da irmã que acaba, não só aos poucos livrando o irmão de todos seus próprios deslizes que deixaram transparecer várias pistas à capitã LaGuerta (Lauren Vélez), como também à desafiou escolher um lado. Debra não só funcionou como peça chave para criar uma grande tensão na série, como também foi desafiada de todos os modos possíveis. Mais do que cúmplice, Debra agora é uma assassina.

A temporada também incorporou o mais forte interesse amoroso de Dexter: Hannah (Yvonne Strahovski). Assassina, que tem seu jeito peculiar de matar e se livrar de qualquer prova contra si, ela conquistou o analista de sangue aceitando o lado sombrio de Dexter e fazendo-o se sentir seguro ao seu lado. Com ela, Dexter pôde ser ele mesmo, numa espécie de terapia misturando sexo, sentimento e desejos. Como esperado, Hannah tem seu próprio jogo e Debra travou uma guerra contra ela. Sobrou para Hannah. Agora essa ponta solta foi levada para a temporada final, o que provavelmente trará mais tensão sexual e um duelo de mentes assassinas para a série.

Talvez tenha sido um final chocante, ainda mais se tratando da querida LaGuerta, porém, quem ainda tem algum sentimento pelo protagonista, acredito que pode começar o desapego. Creio no bom senso dos roteiristas e que a punição contra Dexter seja justa o tamanho de sua psicopatia. Seu carisma só serve para desafiar os espectadores que sempre acabamos nos identificando com alguma faceta anti social dele, porém sua realidade é muito mais do que se pode aceitar. Esse personagem fascinante e repugnante ao mesmo tempo, vai dar sua última cartada, e tamanha a repercussão de seus último atos, não será difícil ele ser encurralado e, de vez, terminar como uma de suas vítimas, atado contra suas próprias verdade e principalmente pela morte de inocentes (o poster da nova temporada dá à entender isso, veja abaixo). Afinal, Dexter deixou de ser um "justiceiro" há um bom tempo, e poucos perceberam.



maio 10, 2013

Crítica: as boas estreias das séries '3 Teresas' e 'Surtadas na Yoga'

Séries apostam em bons roteiros e atuações


Após a boa recepção da série Sessão de Terapia e mais recentemente Copa Hotel, o GNT estreou mais séries originais, de viés independente, nesta semana: As Canalhas, 3 Teresas e Surtadas na Yoga. Dessas três, acompanhei com grande boa vontade as duas últimas, que seguem um modelo mais comum da teledramaturgia, com episódios que desenvolvem uma só história por um período, sem trocar de personagens cada semana, o caso de As Canalhas. Outro fato que me chamou atenção nessas duas, são os nomes na ficha técnica e que se refletem também no corpo de atores: Denise Fraga e Fernanda Young.

Seguindo um estilo dramédia, é impossível não comparar 3 Teresas com Modern Family. O primeiro episódio deixou claro essa relação, já que tentou ao máximo esconder a ligação entre as três mulheres do título - assim como o episódio piloto da série americana. O seriado acompanha a vida de três gerações de mulheres de classe média, parentes. A história começa com Teresa (Fraga), que está se separando do marido e começa a pensar em arranjar um novo alguém. Foram 16 anos de casamento, e recomeçar a deixa aflita com tudo o que tem em torno desse fato. Mas, ainda assim disposta a olhar de forma otimista o fator da "experiência" que acumulou, ela literalmente se põe numa vitrine. A situação só toma um rumo diferente, quando seu ainda ex-marido não tem pra onde ir, ficando no apartamento que dividiam, fazendo-a se mudar para a casa da mãe.

A mãe é a dona Teresinha (Cláudia Mello), que vive no simples bairro do Bom Retiro em São Paulo. Viúva, ela acumula dívidas em relação a casa e faz de tudo para não demonstrar seu atual desconforto com a situação, mesmo assim mantém as esperanças com a vida e um novo casamento. A neta que Teresa leva para morar com a avó, é Tetê (Manoela Aliperti), uma adolescente de 16 anos. Com ares de rebeldia, a jovem começou a sua vida sexual e já passou pelo susto de achar que está grávida. Mostrando não ter muita paciência para a relação tumultuada dos pais, ela ainda vai enfrentar os problemas da mãe com a avó. Com 13 episódios, 3 Teresas se mostrou dinâmica, engraçada sob medida e como forte, as atuações certeiras das protagonista, que se apoiam também num roteiro com boas sacadas e envolvente - ficou mais divertido que Copa Hotel que parece ser uma produção um tanto maior.


Surtadas na Yoga, como o próprio título já mostra, é mais uma comédia no estilo escrachado (porém, inteligente) de Fernanda Young, que desde Os Normais não tem conseguido emplacar um projeto tão significativo quanto. Esse seriado segue a linha de raciocínio que o GNT tem escolhido, até por razões orçamentárias por parte das produtoras: uma boa história e uma câmera na mão. Se passa basicamente dentro de uma academia de Yoga e foca na relação de três "companheiras de aula" que aos poucos vão criando um vínculo mais forte, como foi o mote dessa estreia. São elas: Ana Maria (Flavia Garrafa), Jéssica (Young) e Marion (Anna Sophia Folchi).

Aproveitando o plano de fundo calmo e espiritual da Yoga, o contraste com as personagens neuróticas e nervosas é a grande sacada da série. É um humor cotidiano, que ri dessa sociedade que não se desliga e faz coisas pensando na saúde, mais por alguma influência de outros do que por vontade própria. Young não deixa de lado os palavrões e situações constrangedoras para por ainda mais lenha nesse humor satírico e debochado - como é de praxe em suas outras produções. Porém, a graça é maior do que numa série no estilo super herói e tramas mais rebuscadas - como tem se mostrado o fracassado O Dentista Mascarado. As ideias da roteirista, parecem fluir melhor quando existe uma maior liberdade para explorar situações em ambientes comuns, simples, vide o caso de Os Normais.


As boas estreias, vão ao ar todas às quartas-feiras, a partir das 22h30.

maio 08, 2013

Crítica: sensível, 'O Som ao Redor' reflete uma classe média fragmentada e infeliz

Aos mais ansiosos, longa requer cautela e pode perfurar seus tímpanos com um estridente silêncio 


Se tem uma caraterística que pode definir o longa nacional O Som ao Redor (2013), é ser silencioso.  Esse artifício encontrado pelo diretor Kleber Mendonça Filho para retratar a classe média atual, entrega bem a proposta de refletir uma sociedade que vive a miséria da cultura dos condomínios. Em uma única rua, cada um vive em seu território, sofre de ansiedade, vive o medo da violência e se controla com a vigilância digitalizada oriunda de apetrechos tecnológicos. Se entorpece com calmantes ou com maconha. O silêncio da fala, logo evoca os ruídos de um coletivo nervoso (como o risco na lataria do carro), que à qualquer momento pode explodir. A realidade vazia (como uma peça desconectada) ecoa o silêncio de um individualismo à mercê da acomodação de pessoas cada vez mais apáticas, melancólicas. O filme é uma explosão sonora, barulhenta aos ouvidos dos menos preparados, àqueles acostumados com o cinema contemporâneo, banalizado pelo tom fabricado, por vezes, violento... robótico.

A trama, contada de forma fragmentada e pessimista, envolve uma rua na cidade de Recife, que, em meio à casas comuns (cada vez mais raras), contrasta os imponentes prédios que na verdade pouco refletem a cultura da região - podendo facilmente se encaixar como qualquer outra cidade tão ou mais desenvolvida economicamente quanto. Dá pra lembrar de É Proibido Fumar (2009) de Anna Muylaert, sendo esta, um pouco menos impactante. Os personagens são os representantes da classe média, essa que tem cada vez um maior poder de compra, mas ao mesmo tempo vive o abismo cultural e social. A história segue com realismo três núcleos divididos em três períodos: um é uma dona de casa que não suporta o cão do vizinho que insiste em latir o tempo todo; o outro é uma rica família que herda do interior uma criação colonialista; e, por último, vigilantes de segurança privada que encontram naquele ponto uma boa oportunidade de negócio por causa da violência recorrente.

O diretor, sem nenhuma intenção de poupar o espectador de uma dura realidade, expõe com sensibilidade sua visão anti-capitalista em uma classe média que vive presa em suas casas, prédios, literalmente, atrás das grades. Não polpa filmar através de ferros que formam portões ou simples divisões, dá enfase no abrir e fechar das portas e deixa bem claro os muros que cercam seus moradores dos vizinhos. Expõe os ruídos na comunicação interpessoal, a grosseria em diversos níveis. Interliga seus personagens, geralmente, utilizando seus problemas em um único argumento: o sentimento de insegurança. Culpa de uma maneira clara a tecnologia e violência como os males dos novos tempos (infelizmente ignora a política e religião), que além de causar desolação nos adultos, cria crianças presas nos condomínios, cercados pelos brinquedinhos eletrônicos e uma boa TV de tela plana - inclusive, em uma cena de brutalidade, essa é a causa que faz vizinhas se descontrolarem por uma rixa pela soberania de status.

Um dos poucos livres dessa doença generalizada é o jovem corretor de imóveis João (Gustavo Jahn) que, mesmo da sua maneira apática, vai contornando a falta de comunicação em sua família rica que herdou pela parte do tio, uma ideologia conservadora na posse de territórios. É ele que, destemido, enfrenta o mimado primo que comete roubos pela região; defende o idoso porteiro do condomínio que é acusado de fazer corpo mole no trabalho (a cena da reunião é fantástica, um bom reflexo da atual cultura difundida pela mídia em que todos são juízes e não se importam pelo contexto de cada história); se preocupa com o bem estar de empregados; e mergulha na história de sua família - visitando o agora assombrado lugar em que viveu. Ele e sua namorada, são os únicos que parecem sentir saudades do passado, respeitar o que viveram e, literalmente, procurar sentir as lembranças que ficaram encrostadas (mesmo com boa mão de tinta por cima). Colocam pra fora quando encontram segurança na natureza. Gritam de desespero escondidos da selva urbana. Mendonça ainda filma um velho cinema em ruínas (mas cheio de sons prazerosos e nostálgicos), numa clara alusão aos meios de distribuição dos filmes hoje em dia.

O núcleo da dona de casa entediada (Maeve Jinkings) e que vai levando sua família à beira de um abismo, ou ao seu ver, ao espetáculo - o diretor ainda debocha ao mostrar os filhos estudando chinês, sendo inexistente a comunicação na própria família (o futuro econômico é mais importante) - é no mínimo aterrador. O tédio que toma a forma de um latido perturbador (só ela se incomoda), vai fazendo-a traçar planos para manter o bem estar. Com a tecnologia ao seu favor, ela fuma maconha, toma pílulas para dormir, se masturba com a máquina de lavar, e por aí vai. O cachorro, que antes representava um cão de guarda, se tornou um incômodo. O remorso em maltratar o bicho some e a ação final para calá-lo denota a malvadeza quase como um fetiche. Curiosamente, isso se define um barulho ensurdecedor para o filho - repare como a filha acaba entrando na onda dos pais, logo após um pesadelo moderno (a casa sendo assaltada).

Em outra vertente, com o descaso da segurança pública (ou excesso de medo?), se tornou comum uma vigilância privada, da qual, indivíduos se oferecem para a comunidade pelo serviço na troca de um valor (aqui na minha rua é quatro vezes mais caro do que no filme). Claro, que a população desconfia, mas quem é o louco de recusar e se vê como vítima, caso a equipe seja golpista? Eles logo entram em atrito com a família que a hierarquia segue os moldes do colonialismo que se mostra hereditário, com o jovem primo de João peitando os seguranças e de forma risível, pedindo respeito - como um "marginal favelado", e ironicamente dizendo que ali não era uma favela para eles tomarem conta. O caminho entre eles acaba indo além, e desdobrando ações do passado, provavelmente, culminado numa tragédia. A ética desses trabalhadores também é mostrada - pondo em prática o jeitinho brasileiro, seja para matar o serviço e entrar na casa do cliente "ausente" para transar. A violência desses vigilantes contra uma criança que escalava árvores tarde da noite, guarda uma cena emblemática - ainda mais em tempos de discussões sobre maioridade penal.

O único momento essencialmente feliz no filme, além de um almoço entre João, a namorada e o pai, é o aniversário de uma adolescente, em que, reúne alguns dos personagens principais. João reclama da falta de animação da festa com o primo - a briga entre eles nem sequer deixou sequelas - e coloca em cheque a falsidade evidente ao redor - a obrigação de estar ali. O diretor não perde a oportunidade ao dar uma alfinetada (cada vez mais necessária) no imperialismo cultural americano e sua filosofia do jovem conquistar o estrelato: duas garotas encenam de forma afetada uma passagem de High School Musical (duas personagens bem descritas, a assistente glamourosa da patricinha popular e essa aspirante à estrela pop) e logo mostra no escuro, ao fundo a empregada (fazendo expediente como garçonete). A mesma escuridão onde se esconde o solitário porteiro.

A vontade maior é dissecar esse ótimo filme ato por ato, cena por cena, mas cabe também como exercício de cada um refletir à sua maneira. Com atuações em sua maioria naturais e situações que não fogem do cotidiano brasileiro, Kleber Mendonça entrega ao receptor uma obra quase em seu estado bruto e o desafia à comparar e entender sua intenção com a realidade. Bruto não significa mal acabada, mas sim em um estado puro. São belos enquadramentos e uma edição que assume o protagonismo do filme. Essa sensibilidade de O Som ao Redor deixa claro que se trata uma obra contemplativa, mesmo que um tanto ideológica, com um tom quase documental e certamente aterradora. Economiza na trilha sonora como fez o impactante austríaco Amor (Amour, 2012) - afinal, a vida não é feita com ela - e mostra, com um certo exagero, o quão insensível e cruel essa classe tem se tornado com os adornos capitalistas (até um suicídio pode virar desculpa para uma pechincha). Por fim, faz o silêncio virar uma metáfora para a inquietação da sociedade e seus moradores cada vez mais sem ter o que pensar e, muito menos, o que dizer.

Trailer:

maio 04, 2013

Crítica: 'Go On' finaliza boa temporada de estreia

Seriado com Matthew Perry agrada com bom elenco




Foi ao ar na última quinta (02), pelo Warner Channel, o último episódio da comédia Go On, a série estrelada pelo eterno Friends Matthew Perry. E após uma estreia tumultuada que não agradou tanto a crítica, o seriado conseguiu finalizar uma temporada estável, engraçada e com toques de drama. Foram diversas situações explorando a história do narcisista e arrogante radialista Ryan King (Perry) que após a morte da esposa é encaminhado à buscar ajuda de terapia em grupo. Aos poucos, Ryan vai se dando conta que o caminho do luto é necessário, mas se livrar dessa fase é de suma importância.

Go On, trilhou por um caminho não tão conhecido pela TV aberta americana. O seriado equilibrou o quanto pôde momentos de comédia e drama, mas de uma maneira um tanto mais séria que séries como Modern Family e New Girl. Comparada à seriados da mesma emissora, NBC, como 30 Rock e Community, Go On se destacou exatamente por se defender como um seriado que tem algo à mais para dizer, além do entretenimento fácil. Ousou ao mostrar episódios, da qual, a esposa falecida de Ryan aparecia para ele. Em outros, como no final, as cinzas dela ganharam destaque. Porém, o seriado sempre consegue encontrar uma forma de mostrar fatos pesados de uma forma leve e cômica.

O que também fez Go On ser tão especial é um grande time de comediantes que defenderam bem a trama e mostraram esforço a reverter a audiência da série que nunca foi grande coisa. Destaque para a durona Anne (Julie White) que teve a honra de dividir com Matthew o episódio com  a participação da também ex- Friends Courteney Cox e o Sr. K (Brett Gelma), que protagonizou um dos melhores episódios quando se travestiu da babá cinematográfica Mary Poppins. Os outros personagens também tiveram seus momentos, porém, o espaço é pouco para todos brilharem.

Divertida, estável, a temporada de estreia de Go On foi uma das melhores surpresas da TV americana na última temporada, mas infelizmente não conquistou a o público, como aos poucos ganhou a crítica especializada. É aguardar pra saber se Matthew Perry consegue seguir em frente com esse projeto tão delicioso de se assistir e que é um sopro de inspiração e diversão na TV - essa que ultimamente tem se tornado tão violenta e apelativa. Vale a pena.

A Warner Channel vai reprisar o seriado do começo a partir da semana que vem: indo ao ar sempre às quintas, 21h30.