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dezembro 22, 2012

Crítica: 'As Aventuras de Pi' e a encantadora viagem sobre a vida e a fé

Filme é visualmente perfeito e faz uma eloquente reflexão sobre acreditar em Deus


A vida é como um grande oceano aberto, da qual, cabe a nós enfrentá-lo ou apenas assistir à beira mar. Em As Aventuras de Pi (Life of Pi, 2012), o protagonista Pi Patel (Suraj Sharma) embarca numa viagem não apenas de sobrevivência, mas também de autoconhecimento e amadurecimento. Está preso em dilemas como a crença em Deus e a oposição do ceticismo de seu pai. Como forma metafórica para ilustrar o confronto, Pi está em um barco, perdido em alto mar, com um furioso tigre de bengala dividindo o mesmo espaço. E de forma maravilhosamente contada, As Aventuras de Pi encanta trazendo uma história sobre reflexão da vida e o otimismo de um jovem sonhador.

Apesar de demorar um pouco a desenrolar (o escritor que entrevista Pi adulto deixa claro isso), é após o desastre do navio (uma alusão à dura entrada na tempestuosa adolescência) que leva o jovem Pi à sua verdadeira aventura. O longa toma um caminho cheio de simbolismos e metáforas. Pi é um jovem que busca sua identidade e sua compreensão com o mundo. Escolhe a fé (ele chega participar de três religiões ao mesmo tempo) para se guiar e assim caminhar nas obscuras e nem sempre calmas águas da vida. Como grande elemento de composição do seu caráter, está seu pai, cético e convicto que a ciência é mais importante que qualquer Deus - o papel de desmistificar qualquer fantasia plantada na infância. Quando uma tempestade chega e afunda o navio que levaria a família ao Ocidente, Pi tem colocado à prova suas crenças e está passando pelo delicado luto de perder seus familiares.

A jornada pela sobrevivência é contada de forma simbólica que no fim do filme leva o espectador mais desapegado à uma reflexão sobre a dura realidade em oposição sobre a crença da fé. Uma visão de justiça que a religião tanto prega, como o cristianismo usando Jesus Cristo como exemplo, sempre com uma mensagem construtiva. Uma motivação para ser bom de maneira altruísta. Seja com o próximo ou com animais selvagens. Pi chora ao matar um peixe, respeita uma ilha que queria comê-lo, assim como seu companheiro predador. Chora ao ver Richard Parker (como chama o feroz animal) se afastar sem se despedir - é mesmo triste desapegar da fantasia, de seu "eu" mais raivoso. Entretanto, não culpa seu pai pelo perrengue que passou, e sim o agradece por tudo que ele o ensinou - mesmo que tenha mostrado de forma dura e crua como um tigre é um ser movido por instintos e mata sem pestanejar.

A perda de inocência e o que transforma categoricamente a personalidade de Pi, é uma sangrenta realidade, da qual, humanos e animais se confundem e sua experiência em alto mar, contada na forma de uma fantasia inverossímil, é melhor aceita do que o que possivelmente aconteceu. É como a fé, que soa melhor nos ouvidos do que a possibilidade da vida não ter sentido algum - uma das temíveis questões do jovem. É olhar nos olhos do animal e ver um sinal de humanidade, de paz, mas não poder provar o que viu. Em todos os planos, Pi passa por momentos sofridos, e outros lindos. Como a vida clama dia após dia. E não é que em um desses nuances otimistas, guardava uma armadilha? A ilha que flutuava no oceano tem o formato de um homem deitado - e  silenciosamente, ele não é o maior predador de todos?

Obra de arte visual

Além de uma mensagem reflexiva e um roteiro bem construído - o excesso de didatismo e o começo excessivamente sem ação são um contraponto grave -, o filme é ainda um exemplo grandioso da evolução tecnológica no cinema. Sua história nunca teria a mesma emoção se não fosse a criatividade do diretor Ang Lee que conduz com maestria toda a técnica. Seja na direção de arte, a trilha sonora espetacular, a fotografia, efeitos visuais, edição, som e o 3D que insere o espectador numa experiência rica e única. É como um quadro pintado à mão ilustrando toda a magnificência que apenas a linguagem cinematográfica pode traduzir com som e imagem, além da constante reflexão de boas histórias.

As Aventuras de Pi é um filme honesto, que fala sobre crescer em um mundo cheio de tristezas e cada vez mais obscuro - na adolescência essa visão é ainda mais pesada. A fantasia, a fé, não deixam de ser uma ferramenta de válvula de escape, e a mensagem do longa dá importância que todos precisam acreditar um pouco no impossível, em uma ilusão, para assim manter-se motivado, manter-se forte em momentos difíceis. É uma fábula cheia de sentimentos e que ganha contornos ainda mais belos com uma visão fantástica, surreal. Curiosamente reflete outros filmes mais recentes como Moonrise Kingdom e As Vantagens de Ser Invisível, ambos de 2012. Um invoca o bullying e a melancolia dos pais, enquanto o outro fala sobre um adolescente introvertido e traumatizado. Em As Aventuras de Pi, a essência é a mesma, porém, a vertente da questão espiritual sobressai quando contada de forma tão bela. Reflete a pluralidade de uma singular vida, jovem e corajosa.

Trailer:



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