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janeiro 30, 2013

Crítica: 'Lincoln' traz história de líder em meio ao caos

Steven Spielberg conta história focada no personagem histórico sem dar muito enfase à escravidão


Em uma das cenas de Lincoln (Estados Unidos, 2012), a imagem do líder Abraham Lincoln é colocada sobreposta à uma chama acesa. Essa sutileza do diretor Steven Spielberg na verdade intensifica o que significa o legado do décimo sexto presidente eleito de maneira democrática na América: sua chama está acesa até os dias de hoje. Ela não se apaga desde sua morte há décadas atrás. Sua guerra contra a escravidão, envolveu milhares de mortos em um país dividido, porém, seu feito político é lembrado de forma sublime e influente, não só na área de ciências políticas e sociais, mas inspira a vida de milhões de pessoas pelo mundo afora. Ele libertou negros escravos de um regime que muito lembra um holocausto. Por isso, é tratado como citações poderosas, de suas frases de impacto e motivantes, além de ser uma figura aclamada e homenageada na cédulas do dinheiro americano.

Uma história tão importante assim, não poderia ser contada por outra pessoa que não seja o mestre Steven Spielberg que consegue como quase nenhum diretor variar de obras mais importantes como cinema de arte e cinema de entretenimento. Sua maestria em conduzir super produções, agora encontrou um desafio que remete ao seu passado mais glorioso, contar fatos históricos como fez em Amistad, A Cor Púrpura, O Resgate do Soldado Ryan e A Lista de Schindler. Mas engana-se quem espera um Spielberg tão emotivo e sentimentalista como nas produções citadas. Talvez o mais próximo seja o estilo cru e sóbrio de A Lista de Shindler, mas ainda assim é uma obra mais sombria (dando uma sensação de caos, tensão), menos documental, com uma direção de arte excepcional, filmada com planos abertos e movida por diálogos e jogos políticos.

O filme começa no segundo mandato de Lincoln e no quarto ano da Guerra da Secessão, que dividia os nativos do Sul que são contra a abolição da escravidão  que criaria um problema na economia agraria que é ligada diretamente com a necessidade de mão escrava, contra o Norte a favor da abolição. Com a nova lei regida por Lincoln em vigor, acabaria de vez com a escravidão e forçaria o fim da guerra que já havia derramado muito sangue. Porém, Lincoln sente a necessidade moral de criar uma emenda para solucionar de vez a questão e evitar mais óbitos. É famosa 13ª emenda que precisaria da aprovação de cada confederado e acabar com a escravidão.

No meio do jogo político de conquista de votos, Abraham Lincoln (Daniel Day Lewis) aparentemente calmo e firme toma suas decisões junto com seu time político, entre eles Tommy Lee Jones como o ranzinza Thaddeus Stevens, que sempre lutou pela causa. Algumas estratégias são quase impossíveis de se mudarem a vertente ao seu favor, mas Lincoln com sua retórica, sua inteligência e carisma - é incrível como ele tem história pra contar -, consegue o que quer de forma soberana.

O seu lado mais frágil é o familiar, que Spielberg guarda boas cenas com a excelente Sally Field fazendo a esposa do presidente. Ela funciona como o lado emocional abalado diante todo o caos (sua constante dor de cabeça reflete isso), da qual, ele se recusa a baixar guarda, mas aos poucos se mostra vulnerável e até cria momentos de explosão entre ambos. Seu filho (interpretado por Joseph Gordon-Levitt) também ganha destaque quando retorna pra casa, após abandonar os estudos e deseja lutar na guerra, mas é impedido pelos pais, criando um novo conflito. Lewis, que é disparado um dos melhores atores de sua geração, sendo consagrado com o Oscar em Sangue Negro (seu melhor trabalho) (2008) e em Meu Pé Esquerdo nos anos 90 (e agora perto de conquistar seu terceiro), está fenomenal. É como se cada quadro do filme, Spielberg pintasse Lincoln usando técnicas belíssimas e Lewis fizesse suas poses com extrema eficiência.

A incrível fotografia que dá enfase à Lincoln quando tem necessidade de por ele no centro das atenções, é de arrepiar. Ao invés de centraliza-lo sempre no meio da tela, Spielberg trata ele como um homem normal contando uma história, as vezes está escondido em meio à outros homens, outra hora puxa um banquinho e começa tudo de novo. E todos se calam. Na maioria das vezes têm-se apenas a sombra do presidente ou sua famosa silhueta. Outras vezes, o diretor deixa Lewis brilhar sozinho, dando enfase nos movimentos do personagem, na sua forma de falar. São várias cenas sozinho, denotando seu isolamento constante. E o envelhecimento precoce, daí entra a maquiagem bem feita, que está além do poder de Lewis.

Mas Lincoln não é uma obra completa. Talvez esse distanciamento de Spielberg no seu lado mais emotivo de refletir a escravidão, tenha tirado o brilho necessário pra deixar a obra mais envolvente e menos dura. Os poucos diálogos entre o presidente e uma criada na Casa Branca não são suficientes para entender bem a importância do feito de Lincoln, além de ser apenas um jogo político. Em tempos de Django Livre, usando a história para criar entretenimento, Lincoln teria se saído mais triunfante se tocasse melhor nessas feridas que vão demorar muito ainda à se fecharem. E isso não seria fugir do foco, já que o legado do presidente e sua vida foram em troca da abolição que ele conseguiu intermediar em meio ao caos. Mas ainda assim, é uma releitura eficiente, bem atuada, dirigida e produzida, mas que só faltou uma mão de verniz a mais.

Trailer:


 

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